Crônicas

23/07/2013 11:23

 

 

FIDELIDADE RIMA COM AMIZADE

 SAPATO VELHO COMBINA COM ACONCHEGO

 

 

 

“Ah, mas a fé nem vê a desordem ao redor. De sofrer e de amar a gente não se desfaz.” G. Rosa

 

 

            Na raiz da fidelidade esta guardada a seiva que alimenta a fé. Fé que remonta aos princípios, a religião, ao amor, a saúde, a amizade. Porque a amizade sincera é um santo remédio. Pode me dizer que tem a minha cara que é um clichê... (sua irmã, mais ainda). Contudo, cada vez mais me certifico desta sabedoria de sertanejo. Ser fiel enquanto amigo é ter fé na vida, fé no homem, fé nos ideais.

            Nossa amizade é como sequóia-gigante, esbanjando saúde, ao longo do tempo de muitas gerações. Você lembra, lembra! Daquele tempo? Eu lhe contei que estava despedido do serviço e você, um mês de nascido, madrugada de 13 de Agosto, sexta-feira. Embalava seu corpo frágil, acalentando seu ronronar de pequena locomotiva. Refletia sobre as conseqüências para a família. Pensava e lembrava um amigo, de um passado mui antigo e ao mesmo tempo conversava com a criança em meu colo acomodada.

            Eis que de repente, entreabrindo seus olhos vivos e esboçando um sorriso sem dentes, me falou sem dizer palavra que ali solidário estava. Solidariedade é também qualidade de uma sólida amizade. Quanto a estas emoções que são tantas, se quisermos escanear o passado de trinta e um anos (sua presença aqui na Terra). Não me importa hoje, a tradução em mãos de terceiros. O que me interessa saber é que tanto eu quanto você temos laços sem embaraços, como cipó amazônico abrindo nossos corações e mentes, fortalecendo a fidelidade desde o remoto princípio, nesta vida e se merecermos, na eternidade.

            Lá por volta dos seus três anos estávamos morando novamente à beira-mar, onde você se regalava e se pudesse decidir ficaria por muito mais tempo. Criança ativa,

construía frases como um arquiteto engenhoso coloca a leveza das curvas no concreto. Seu irmão não era nascido e você cantalorava assim: Rafael, Rafael, é uma estrela que vem lá do céu. E cobrava: quando é que o Rafael vem morar com a gente?                 Certa vez, nesta mesma época precisei viajar pra terra dos alemães. No meu regresso,     você dizia com brilho nos olhos que eu fui “na” Alemanha e apontava- é ali, do outro lado das Três Praias... Quem sabe, do outro lado do oceano? Vai entender a lógica de um coração infantil! Você lembra, lembra?”Eu costumava andar bem mais de mil léguas, eu tinha estrela nos olhos, um jeito de herói”. Assim então,montei em meu corcel mais veloz e voltei para Gouveia em busca de meus sonhos.

 

 

 “O tempo é o elemento da transformação”

                       Carlos Drumonnd de Andrade

 

 

            Certeza eu tenho que esta silhueta de mocinho de cowboy, encheu seus olhos de esperança, aditivou suas batidas cardíacas com adrenalina e confiança, até chegar sua adolescência. Onde um caldeamento mesclado de sua inteligência, talento e determinação, mais um “plus” de humildade e bastante ralação, forjou o homem que você é. Agora, sua mente é mais quieta, a coluna ereta, ainda bem que aprendeu a consertar ossos. Também é poeta, vale uma contra prova?”Tenho em meu cerne, a vontade de minha essência, misturada com a vaidade de meu ego, de ser um pescador. Por enquanto sou um caçador de mim, um sertanejo no árido de meus defeitos, de olho na chuva que tarda, mas não falha.” Esta metáfora, você construiu quando se referia à sua infância em Guarapari e sua simbiose com o mar e assim completa: ”Desde então guardo o sonho de viver como um pescador... Aprender a adorar o mar e, sobretudo, respeitá-lo. Dalí tirar o sustento, a sua lida, a sua saúde, a sua fé, a sua construção física e espiritual. Acredito que o pescador deve ser um ser humilde, como reflexo do mar: o mais grandioso de todos, no lugar mais baixo, justamente para receber de braços abertos, do tímido riachinho, ao mais caudaloso delta dos rios. Faz-me pensar que a humildade do mar faz parte do Divino, algo livre de preconceitos em igualdade de tratamento e sendo reconhecido em seu valor”.

 

 

 

“Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." Agostinho,filho de Mônica –Bispo de Hipona ,sec. IV –norte da África

 

 

            Certa feita, eu, você e o saudoso gato Zembé, juntos de papo pro ar, refestelados no banco de pedra, namorando as estrelas, entre duas palmeiras imperiais que conheceram sua infância, rica de lembranças felizes, banhadas em águas ágeis do Rio Grande. Você me serviu um banquete de idéias, ensinando-me a anatomia da mão humana, verdadeiro serviço secreto (sob nossa pele) de inteligência e engenharia do corpo.

“Mestre, não é quem ensina, mas quem de repente aprende.” Guimarães Rosa

Não se avexe não, com esta minha reflexão, pois vem de um coração experimentado e um tanto calejado que sempre terá aconchego pra você. É preciso acrescentar que ainda tenho a oferecer o ombro amigo, mesmo com lombalgia, mas sem fadiga quando se trata de servi-lo. O “espinhaço” também tá no bagaço, mas pra isso conto com você, pro apuro e o prumo.

“Água da fonte
Cansei de beber
Prá não envelhecer
Como quisesse
Roubar da manhã
Um lindo pôr-de-sol.”

Roupa Nova P. Tapajós
 

 

Procurei desenhar este projeto de afeto, com algumas janelas que pudessem receber sua leitura, com a luz da experiência que já acumulou. Filtrada na sensibilidade e inteligência que o Criador lhe doou e assim captar a sutileza da igualdade de nosso DNA comum, no ser e no agir. Irmanados até o infinito, qual pedra mineira na pedreira. Imbricados como deve ser na sincera amizade. Para que este sentimento amplie-se no presente e prospere até a eternidade.

“É! Talvez eu seja
Simplesmente
Como um sapato velho
Mas ainda sirvo
Se você quiser
Basta você me calçar
Que eu aqueço o frio
Dos seus pés...”

Roupa Nova-P. Tapajós

 

Feliz aniversário, Danniel, 13 de julho de 2013.

Na sabedoria Maia, o treze simboliza a transformação. Na escada ascensional, surge um patamar e assim, se dá continuidade, reciclando vida reassumida em novo ciclo evolutivo. O escape do casulo escuro gera luz e cor. Permite o vôo nupcial à liberdade, entreabrindo as asas em amplo espectro, de um singular, "butterfly blue . Keep Walking, Danniel son!

 

 

                                             

 

 

  UM CONTO DE REIS

 

Na história bíblica, os magos astrônomos vieram até Belém, visitar Um Recém Nascido, montados em ondas sinuosas nas corcovas de camelos e guiados pela luz de uma estrela Unigênita. Investiram doze dias, saindo de um ponto no mapa africano conhecido como Congo. Partiram em direção ao Menino Rei, que sabiam, acabara de nascer. Uma aventura digna de um Indiana Jones. Dormiam e descansavam de dia, sob o sol escaldante do Saara. À noite, viajavam sob luz clara, quando a lua os visitava e também aquela Luz que passou a se chamar Jesus,há muito anunciado. O destino traçado em suas cartas de navegadores exímios, nas dunas do deserto, foi finalmente alcançado.

Dia seis de janeiro é o marco da homenagem dos magos ao Filho de Deus. Trouxeram presentes de grande significado para a humanidade, a reverência àquela Criança Galante. A presença do Amor na Terra, o Verbo se fez Carne e Habitou entre nós, cuja data de nascimento para os cristãos é de vinte e cinco de Dezembro, do primeiro ano de uma nova era.

Nesse Natal, no caminho das pedras que resolvi trilhar e viver a vida que me traz felicidade, o inusitado aconteceu. Três importantes personagens vieram, de também longe, visitar um recém chegado à maturidade, um rei sem reinado e sem coroa. (Duplo sentido positivo, registre-se). De montaria folgada pra todos, um só corcel, negro. Olhos bem claros, quatro patas velozes e redondas, carro ágil. Um Peugeot com a força de leão que transporta mitsu bishi. (três diamantes, pra mim, eternos).

Chegaram à mesma luz do dia que partiram de um ponto no mapa das Minas Gerais, conhecido como Belô. Não precisaram de computador de bordo e nem GPS, para traçar a rota da aventura de volta às origens. Tempos modernos, rapidez e tecnologia, alguns anos, pós Chaplin e sua magia. Carlitos, adorável vagabundo, encantava o mundo com sua luz na ribalta. Mesmo quando não se ouvia o que se passava, pois era mudo o cinema daquela etapa. Investiram parcas horas, depois que partiram em direção ao homem que deu ser à trinca de reis, insigne ficantes nessa gleba. Plantou a semente em fecunda terra, tanto que germinou. O presente apresenta a leitura da boa árvore que produz bons frutos e não abrolhos. Deixa exposta a felicidade da raiz que fica melhor quanto mais envelhece. Trouxeram as presenças que iluminaram a alma do rei sem coroa, o véio, de coração de criança. Sensível, sentiu o verdadeiro espírito de Natal, penetrar em si, como toque de sinos, barroco, a contradição dos presentes imateriais. Música em tom de amor, afeto e carinho, invadiu o peito e os domínios, daquele que balizou limites e com exemplos, mostrou atitudes a serem perseveradas. Uma lágrima alegre escondeu-se em si mesmo, emocionado com o resultado da semeadura daquelas três infâncias que o tempo e os bons ventos souberam transformar, no aqui e agora, esse Natal, num oásis. Um hiato de luz e paz, consoante espiritual, amálgama de afeto, bálsamo de carinho, ponte de amor. Alquimia mais que correta, para aliviar a travessia do deserto que a vida me levou a enfrentar, quando desmoronou nosso lar. Um muro nasceu construído qual solitária para que sem escolha, usasse-a como abrigo.

 

 

 

 

Filhos, fiz e farei mais isso,toda vez que meu coração quiser falar com Deus e quem eu achar que mereça me inspirar.Agradeço a vocês pela presença, como trama indelével e imprescindível costurada no enredo de meu peito, por três fios fortes, brilhantes e valentes.Quando estiverem lá longe,na rotina da vida embrulhada na cortina de fumaça da metrópole, lembrem-se do que sempre digo, que sou próspero sem ser rico. Sou feliz, pois tenho o tesouro da juventude em mim. Pude perceber, na boa ventura de acalentar em minhas mãos, os mais belos diamantes que já vi, uma nonada de meu próprio brilho. Vocês são a ramada, a resposta pro futuro, do liame, do radical da minha história. Meu ramadã sagrado que percorre todo o ciclo, entre o alvorecer e o por do sol da minha existência de profano. Sem o jejum e o jeito de ser muçulmano.

Humano algum consegue avaliar tão rico patrimônio. Maior que mil, melhor que um milhão de vezes um conto de réis, dinheiro graúdo no tempo em que o vô Realino,

andava de calças curtas,menino miúdo,na sua Moeda. Mais tarde, encontrou na Capital, o cabedal. Sua bela, cara e coroa, jóia rara, Marina.

            Esse condão de escrever permite que eu faço um conto de reis, da narrativa da visita especial dos três em minha morada, entre as pedras, é meu caminho. Fez lembrar o tempo de semear, bem longe, plantado em minha memória. É uma história que contém o resgate da amizade, do respeito, da humildade. Valores carentes em diversas famílias, esquecidas que o Natal é para ser vivenciado todo os dias, pois que simboliza a presença do Menino Deus dentro de nós.

            Filhos, faço e farei esse desabafo, toda vez que eu quero esse diálogo cara a cara,

ou, tête-à-tête.(como era gostoso o meu francês). Ao mais velho, já residente médico, às vezes céptico, digo que não há mistério. Fica um derradeiro registro que essa produção não é em série, não se trata de um prêt-à-porter, pronto pra usar. Ledo engano, tem corte especial, caimento justo, modelado para encaixe perfeito em coração valente, sensível e simples.

Esse terno de reis que foge ao estilo tradicional,é sob a risca de giz de minha própria tarimba de artesão aprendiz da vida..Qual magma em cordel determinado e resistente,a palavra lava o solo da alma de um pai que ama e não se envergonha de abrir ala pra sua folia.

Esse mimo que fiz com um punhado de letras, cerzidas em ponto e vírgula, é um ofício prazeroso de agulha unindo a linha. Pelas mãos do mesmo artesão que soube reconhecer brilhantes onde dantes existiam pedras brutas que o mestre tempo lapidou.  Carícia singela quais as palmas que ofertei à única filha. É uma prenda, uma dádiva, como quando nos permitimos apreciar os lírios do campo, simples em seus trajes de gala, recheados de flores claras, doados pela mãe natureza. Nem o sábio Salomão e de tamanha riqueza, alcançou vestes tão belas.

É preciso amor de qualquer jeito, numa esquina de Belém ou Beagá. Com rima ou sem, eu preciso amar. A merecida recompensa vem como herança àquele que pratica atos que um dia o levarão a habitar o reino dos céus. 

Agradeço a Deus pela benesse dos dons que me há emprestado, em especial o de ser pai, de Rafael, Mariana e Danniel. Pá e lavra, revelação do meu Ra Ma Dã.

 

 

 

ANTIGA MENTE BRILHANTE MENTE

 

 

No princípio era o verbo. Cálidas palavras proparoxítonas preenchiam emocionadas cartas. Flechas de cupido vazavam corações entrecortados por geografias apartadas. No demorado tempo de vinte dias, correspondiam ansiosos, mãos jovens temperadas de paixão e sonho. Que seja infinito o amor, enquanto dure. Pois, sendo chama , permite que não seja perene, que pena! Passou. Passaram mil e uma noites, milhares! Estrelas brilharam no céu, fazendo sua peregrinação na rotina cósmica do caminho de San Tiago.

Entregamos as armas que nos permitiam viver o calor das batalhas verbais. Escalar desafios em picos de afeto, pra quê?Não os merecíamos mais. Nem cordas, nem elos, nem mesmo ganchos atracados à rocha de sólido sentimento-o amor.

A Terra fez muitas de suas revoluções, grisalhando minha cabeça, mas preservando sensível e brilhante mente, cérebro doado por Deus. Que no princípio era o Verbo...

Levando a bola da minha vida, cada vez mais próxima do fim do jogo (isso é implacável a todos viventes), percebo que vivi até aqui, sem muitas goleadas adversárias. Pouco dinheiro, mas com saúde e sorte. Sou feliz, não sou rico, prosperei. Um rei sem rainha e sem reinado. Amado sim, os três filhos assinam abaixo. Cuca fresca, mente arejada, pois bons ventos sopram,(ou sussurram  idéias poéticas?) promovendo fantásticas viagens, deslumbrantes roteiros, agenciados por pensamentos robustos,registrados em diário de bordo,atualmente guardados  na memória farta  e veloz de um  micro computador.

Onde foram se abrigar as cartas do passado?As românticas, perfumadas, fios de cabelo da amada e ainda aquelas, ah! Com beijo selado em batom carmim? Viraram pó, comidas por traças da modernidade.

Travestiram-se em msn, libélula fugaz, na velocidade da luz. Seu discurso eletrônico é oco, curto é o texto, insosso o tempero dos argumentos. A máxima é: Time is Money, ou mesmo: seja breve!Poucos respondem, na azáfama do dia a dia...o que é o pior.

Aí, que saudades que tenho, da aurora da minha vida... Distanciados, sem link da internet e outros meios, encaminhávamos o envelope contendo o sofrido e excitante sentimento, adicionado a um selo, nas asas do Correio Aéreo Nacional. Dias se passavam e pousava líquido e certo (com AR-aviso de recebimento) no endereço real, do galante missivista ou da musa que tanto inspirou e suspirou.Virtual mesmo, era a cascata suscetível de impressões vazadas –pingos de ternura como nas cartas de uma Marília e seu Dirceu,de um Abelardo e sua desejada Heloísa.

Cartas emocionadas preenchidas por cálidas palavras proparoxítonas, qual flechas de cupidez, vazavam corações e mentes apartadas.